O ataque das instituições europeias à Hungria, a reboque da agenda LGBTIQ, cavalgada de modo precipitado e entremeada com o Euro de futebol, é a mais grave ofensiva contra o funcionamento da democracia na Europa nos últimos anos. Um grave precedente. Uma ameaça a todos os Estados-membros e à democracia europeia em si mesma.
A primeira vez que esta agenda fez ajoelhar as instituições europeias foi, em 2004, a exclusão de Buttiglione da indigitada Comissão, quando o reputado intelectual, centrista e católico, foi alvo da campanha bem urdida pela ILGA e grupos feministas radicais. Agora, foi pior, com a presidente da Comissão e o Conselho a surfarem a onda e a agravarem o caso. As palavras intolerantes de Mark Rutte dizem tudo: “A minha intenção é deixar a Hungria de joelhos”.
Agora, volta aos jornais o facto que, afinal, aconteceu: não a tal “lei anti-LGBTIQ”, mas a “aprovação da lei que proíbe a divulgação a menores de idade de conteúdos relacionados com a homossexualidade ou a mudança de sexo”. Fui ler a lei em inglês e traduzo a norma principal, um aditamento à lei de proteção das crianças e administração da tutela. Diz: “Para assegurar (…) a aplicação dos direitos da criança, é proibida a disponibilização a pessoas que não tenham completado dezoito anos conteúdo pornográfico, ou que retrate a sexualidade de forma gratuita, ou que propague ou retrate divergência da identidade pessoal correspondente ao sexo no nascimento, mudança de sexo ou homossexualidade.”
Pode concordar-se ou discordar-se, mas não se vê por que não podem parlamentos discutir e votar. A lei foi aprovada por 157 votos a favor e só 1 contra. Parte da oposição votou com o Governo e o resto não se sabe: uma maioria esmagadora, muito maior que a do Fidesz, o partido de Orbán. E, nesse dia, em que Portugal e Hungria se defrontaram no estádio de Budapeste, pudemos ver as manifestações LGBT defronte do Parlamento e seguir o pronunciamento contra a lei do presidente da Câmara da capital. Ou seja, vimos a democracia a funcionar.
Vem de há anos a diabolização de Orbán. Seguiu-se à vitória retumbante do Fidesz nas eleições de 2010. Ter ganho com mais de dois terços, ficando com deputados suficientes para rever a Constituição, enfureceu a esquerda local e seus amigos europeus.
Mas cabe lembrar factos fundamentais. Viktor Orbán é uma referência liberal da ruptura com o comunismo: com 26 anos apenas, foi ele quem, em 1989, exigiu, na rua, eleições livres e a retirada imediata das tropas soviéticas, quando o Muro de Berlim ainda estava de pé. Tornou-se figura nacional. E a vitória retumbante em 2010 foi o eco de um escândalo da esquerda húngara: o discurso vergonhoso, em 2006, do primeiro-ministro pós-comunista Ferenc Gyurcsány, que, entre palavreado grosseiro, admitiu que “em vez de governarmos, mentimos de manhã, à tarde e à noite” e “não fizemos nada durante quatro anos”, no meio doutras confissões e enormidades. O discurso, num congresso partidário, à porta fechada, tornou-se conhecido, desencadeando enorme contestação e manifestações indignadas. Os socialistas acabariam esmagados pelos liberais-conservadores de Orbán.
É possível que o poder excessivo do Fidesz possa ter inspirado alguma medida a mais. Mas a democracia funciona: Orbán foi com fair play ao Parlamento Europeu várias vezes para ser questionado, há eleições regulares e, quando é para haver mudança, há mudança, como na cidade de Budapeste.
O poder na Hungria é ganho democraticamente. Mas, nas instituições europeias, tudo cheira a erro e a esturro. Erro, porque não respeitam a escolha democrática do povo húngaro e andam a empurrar Orbán para a direita radical e extrema. Esturro: porque acabam de exibir como a propaganda LGBTIQ é, para Bruxelas, mais importante do que questões anteriormente suscitadas quanto ao sistema judicial, funcionamento da democracia e comunicação social.